Não Deixe o Samba Morrer II
Muito tem se falado ao longo destes últimos anos no tal do aquecimento global. A grande mídia vem em campanha maciça em tom severamente apocalíptico nos alertar sobre as conseqüências do acúmulo presente e em progressiva expansão de gases do efeito estufa, principalmente o CO2, advindos da produção e estilo de vida humanos adotados principalmente da metade do século dezenove até os dias atuais. O que mais me chama atenção no que chega até meus ouvidos pelo que é dito por “especialistas” de toda espécie e pela gente que já forma o senso comum do novo paradigma ecologista deste início de século, e o foco pelo qual é tratada essa questão. Somos bombardeados diariamente pelas obrigações do “ecologicamente correto” do “ecossustentável” e do termo que convier ao momento. Somos moralizados à força pela culpa do desperdício e pelo consumo selvagem e predatório que somos responsáveis da hora que acordamos à hora que dormimos e inclusive durante o sono.
Hoje as crianças já são adestradas desde a infância nos bancos escolares que devemos amar e respeitar a natureza, os golfinhos, as baleias, os leões, os elefantes, as morsas, as plantas, as flores, os rios e tudo mais que representa aquilo que estamos acostumados a chamar de ecossistema. São obrigadas a decorar que todo aquele que pratica o desperdício, promove a destruição e poluição deve ser condenado e repreendido. Porém há algo de muito estranho e contraditório neste novo senso comum que se cria imperativamente. Para ele o “homem” (genérico mesmo) é o vilão neste crime secular. E a simplificação dos fatos sempre foi o recurso mais habitual pra quem tem interesse em distorcê-los. Se a água limpa do mundo está acabando, fácil, fechemos a torneira, tomemos banhos menos demorados. Se os lixões contaminam o solo, fácil, separemos nosso lixo. Se a energia polui, fácil, compremos um aquecedor solar. Se usamos produtos que ficam milênios na natureza sem se decompor, fácil, utilizemos sacos de pano biodegradáveis, camisas feitas de PET, usemos só copos de vidro, verifiquemos se a madeira tem a procedência correta e por aí vai... Mas não é tão simples assim.
De fato o que nos chega é uma verdade bem conveniente aos interesses do capital e de seus defensores. Só usamos em nossas casas 5% da água, o resto é usado completamente no processo produtivo, ou seja, é responsabilidade total da grande indústria. A maior parte da degradação do solo e da poluição dos rios é feita pela mesma indústria como é o exemplo da psicopática empresa de Celulose do Espírito Santo. Nós, seres individuais temos uma ínfima parcela de responsabilidade pelo aquecimento global. Esse “homem”, genérico, responsável e abominável vilão da destruição do planeta não sou eu e nem é você. É o grande capital, é o sistema que extrapola o âmbito individual de ação. Devemos sair da posição de vilões individuais e partir para a de senhores dos nossos destinos aqui na terra enquanto humanidade. Essa idéia que se dissemina nos meios mais ecochatos de que somos um fardo para o planeta, um vírus maléfico, uma praga devastadora é o pior mal que fazemos nessa situação, para nós e para o ecossistema.
Temos que ter em mente principalmente e desmistificar também a idéia da frágil natureza refém da humanidade. Se o fim do mundo de fato ocorrer, esse fim só será fato para nós humanos. A natureza, essa entidade maternal que idealizamos, em verdade, não se importa nem um grama sobre o que fazemos, sobre o acúmulo de CO2 ou a poluição ou o fim das geleiras da Antártida. A natureza não dá a mínima para nós ou para o “aquecimento global”. Ela se adaptará. Nós não. Os golfinhos não estão nem aí. As baleias não dão à mínima. As morsas se alienam. As espécies de plantas e animais que morrerem darão lugar a outras que se adaptarão. O ecossistema tende ao equilíbrio. Varre o que não serve e bota aquilo que for melhor para a vida no lugar, sem sentimentalismo.
A maior riqueza que temos em risco de uma possível perda é a subjetividade. O humano. O grande ouro que guardamos em nossa humanidade é a nossa capacidade de criarmos e sermos criados por isto, a subjetividade. Nós somos os grandes e únicos expectadores do mundo. O que corremos o risco de perder e por isso que devemos lutar com todas as forças é a poesia. O que temos de mais valioso é a herança que nos fundou enquanto seres que reconhecem a si próprios e o mundo de forma a olhá-los e criá-los de acordo com suas construções, desejos, razões, instintos e angústias. Somos nós que enxergamos a beleza e empregamos valor às plantas, às árvores, aos golfinhos, às baleias, às morsas, às geleiras, ao azul do céu e a tudo mais. (O azul, por exemplo, só existe em nossos olhos humanos, o céu, em sua realidade própria não é azul.) Essas coisas estarão aí, com outras formas e cores, mas nós poderemos não estar para lhes dar novos nomes. Somos nós a alegria do mundo, pois o sentido de alegria só passou a existir conosco. Somos nós que trazemos o sentido à vida e à natureza, pois a razão se basta a si mesma. Nós descobrimos/criamos o mundo e ele só o é por nós, homens (e mulheres obviamente) em nossa condição objetiva, e somos humanos construídos e construtores em nossa subjetividade.
A nossa extinção é a extinção da literatura, é a extinção da arquitetura, da filosofia, da música, da ciência, da razão, do pensamento, dos séculos e séculos de conhecimento, descoberta e criação que são patrimônio nosso e do universo. Imaginem um mundo sem Shakespeare, sem Da Vinci, sem Mozart, sem o samba! Sem a beleza da poesia! Não devemos salvar as baleias. Devemos lutar para que as baleias não nos percam. O mundo não pode ficar sem nós. Senão não terá a menor graça.
Bruno Dutra Leite
domingo, 21 de março de 2010
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